Era 11 de Agosto, no calendário. Saí do metro no Columbus Circle, na intersecção com a Oitava Avenida, na esquina oeste do Central Park. Lá fora, os coches à boca do Central Park aguardando turistas, as calçadas tomas por pés de rodos os tamanhos.
Na Rua 57, entre a Quinta e a Sexta Avenida, conhecida por abraçar o Carnegie Hall, Planet Hollywood, e o Hard Rock Cafe, o ambiente era o habitual: muitos turistas de cámara na mão e outros tantos numa das bichas, por vezes intermináveis, para o Planet Hollywood ou Hard Rock Cafe. Bem ao lado de um desses edifícios, numa das suites de un décimo segundo andar, encontram-se escritórios de organização que gere a carreira de Mariah Carey.
Esta artista, para aqueles que desconhecem, é uma das vocalistas norte-americanas da actualidade, que, numa mistura ideal de música popular e Rhythm and Blues, em combinação com o suporte total da sua editora e de rádios “top 40,” rapidamente deixou o anonimato para uma carreira laureada com singles e álbuns de platina, incluindo quatro singles do seu primeiro álbum. Ainda em 1990, o ano em que o álbum-estreia, Mariah Carey, foi editado, ganhou dois Grammys. O álbum Emotions marcou a contribuição desta artista para o ano de 1991 e uma evolução em termos de colaborações e produção. Foi nesse ano que iniciou o seu trabalho colaborativo com Robert Clivilles e David Cole, os C da C&C Music Factory, e Walter Afanasieff. Em 1992, no ano das vacas gordas para a “novidade” MTViana Unplugged, Carey é uma das artistas que vê uma edição nesta série. 1993 marca o regresso de Mariah Carey com um álbum de originais, o que não acontecia desde 1991. O novo álbum, Music Box, está ao dispor do público norte-americano desde do último dia do mês de agosto.
Depois de uma longa espera frente a uma secretária que não via qualquer possibilidade de almoçar, já que os telefones não paravam, por volta das 4.30 fui guiado para o piso inferir. Aí fui conduzido para uma sala de estar com uma decoração deslumbrante engrandecida pelas dimensões da divisão. Uma das paredes era coberta por um enorme móvel do qual os únicos objectos que recordo eram componentes, com un aspecto profissionalíssimo, de áudio. Num dos sofás, encontrava-se Mariah Carey sentada, com uma pequena bolsa ao seu lado e de pastilha elástica na boca. Vestia como se tivesse finalizado a sua aula de ginástica, com o seu cabelo descontraído. Como uma menina, à minha entrada, deu um sorriso nervoso e, quase hesitantemente, estendeu a mão e cumprimentou-me. A porta fechou-se e sentei-me num dos sofás. A separar-nos, existia uma mesa rectangular. Para amornar o ambiente, iniciei uma conversa tola dizendo que não invejava a sua posição de dar entrevistas durante dias inteiros. Ela riu-se, continuou a mastigar a pastilha e respondeu de forma tão inútil como o meu início de conversa. Com o gravador a meio da mesa, a conversa iniciou-se:
Como é que o successo repentino com o seu álbum de estreia afectou a sua vida?
Ah… Sim! (Risos). Pude deixar de comer “pasta” e dividi-la, durante toda a semana, com três pessoas e pude começar a comprar os sapatos e roupas que desejava. Quando consegui o meu contrato discográfico, a minha vida mudou completamente. Antes disso, passei por um período em que não tinha nenhum ou muito pouco dinheiro. E isto (a sua carreira como artista) é o que sempre desejei fazer, portanto foi um sonho que se tornou realidade.
Quais são os aspectos que mais a incomodam como estrela?
Por mim, faria qualquer coisa para gravar e para ter esta carreira, mas antes de se tomar essa decisão tem de se saber que não irá ser perfeito. Nada é perfeito. Prefiro ter que suportar coisas que não me agradam, e ter esta carreira, do que não as suportar e não ter esta carreira… Incomoda-me que as pessoas furem para saber coisas da tua vida e fazerem disso domínio público. Isso não é a melhor coisa do mundo, mas não há nada a fazer.
Tem que se disfarçar para não ser reconhecida na rua?
Eu se não quiser reconhecida, não sou. Consigo disfarçar-me bastante bem!
Do seu álbum de estreia para Emotions, houve uma mudança na produção e nas pessoas que escreveram consigo. Pode falar-nos nisso?
Quando fiz o meu primeiro álbum trabalhei com muitos produtores que já se encontravam estabelecidos, com sucesso, e com a sua fórmula para produção. Isso foi excelente para mim, mas agora, podendo trabalhar com alguém como colaborador, como Walter Afanasieff, em vez de alguém que dita como o álbum poderá soar. Agora tenho a capacidade de dizer como eu quero que os temas soem. Na minha opinião, quero meter música na rua da qual eu tenho controlo, e não em que alguém tem controlo.
Como é caracterizaria, em geral, a evolução da sua carreira, musicalmente e liricamente, ao longo dos seus três álbuns?
Hmmm… Como eu disse, trabalhando como produtora é diferente… No primeiro álbum segui o que todos me disseram que fazer. Sinto também que cresci bastante desde que fiz o meu primeiro álbum. Escrevi muitos dos temas do primeiro álbum quando ainda frequentava o liceu. Agora tenho uma perspectiva diferente, sabes, vivendo um pouco mais… vivendo o que vivo agora, mudou a minha música.
Como é que tem sido a experiência de trabalhar com Walter A (Afanasieff), David Cole and Robert Clivilles?
Bem, Cole e Civilles são virados para o som e para a dança. Eles são pessoas de extremo talento nessas áreas e, por isso, é bastante bom trabalhar com eles. Walter A é um músico de enormes talentos assim como um excelente produtor, e ele é bastante melhor do que os trabalhos que tem produzido. Se ele alguma vez conseguir lançar um álbum seu poderá ser tanto em música clássica como em jazz, ou qualquer outra área, já que ele é tão versátil. Eu aprendi imenso com ele, e tem sido excelente colaborar com ele porque tem-me ajudado a levar a minha música a onde desejo. Ele importa-se realmente com o trabalho que faz comigo, já que é uma verdadeira colaboração.
Pensa que voltará a trabalhar com estes três elementos no próximo álbum?
Não faço ideia… Ainda agora estou a lançar este novo álbum.
O que é que identifica Music Box do seu último álbum?
Music Box é… Todos os temas referem-se a um sentimento que eu sentia na altura (da composição). Muitos dos temas têm uma forma componente de influências de gospel. Isso também se tinha passado no último álbum, mas este parece-me que tem uma linhagem mais constante com gospel.
Como surgiu a ideia para a versão do tema “Without You”?
Porque sempre adorei esse tema… A minha mãe costumava cantar-me essa canção quando eu era bebé. Pelo menos, foi o que ela me disse quando ouviu a minha versão. Penso que é um lindíssimo tema… Eu costumava chorar, quando miúda, quando o ouvia. Eu já não ouvia este tema há algum tempo, mas um dia estava num restaurante e ouvi-o novamente e daí surgiu a ideia para uma versão.
Existiu alguma razão em particular para a escolha de “Dreamlover” como o primeiro single (de Music Box)?
“Dreamlover” pareceu um óptimo tema de Verão. Toda a gente dizia que lembrava coisas como sair, dar voltas num descapotável… Todos pareciam pensar que era (lançar “Dreamlover” como o primeiro single) o mais certo a fazer.
Como surgiu a colaboração com Babyface?
Nós pretendíamos trabalhar juntos durante bastante tempo, mas ele tem estado tão ocupado assim como eu, e não tinha surgido a oportunidade. Um dia ele estava na (mesma) cidade (do que eu) e nós decidimos juntar-nos e escrever algo, e assim foi.
Quando é que começou a interessar-se por R&B (Rhythm and Blues)?
Eu sempre adorei R&B. Eu tenho um irmão mais velho dez anos, e ele costumava tocar Stevie Wonder, Gladys Knight, Aretha (Franklin) e todos esses excelentes de R&B. Mais velha, eu costumava ouvir todas as estações de rádio de R&B.
Dos músicos que a influenciaram, pode citar três mais importantes?
Todos que acabei de mencionar (risos).
A sua mãe foi treinada em música clássica, e essa era a sua carreira. Ela esperava que seguisse os seus passos?
Não, ela nunca me forçou a fazer nada que eu não desejasse. Ela era uma cantora de ópera mas também cantava noutros estilos de música. Ela apenas me encorajou a fazer o que eu desejava. Ela gostava que eu amasse algo e que seguisse esse sonho. Ela deu-me coragem e nunca me disse para cantar ópera.
No seu segundo álbum, o tema “The Wind” e referências a Russ Freeman e a Keith Jarret levam-me a perguntar se ouve jazz ou outro tipo de música com raízes em improvisação. Se é que ouve, quais são os artistas?
Ah… Eu ouço mais gospel do que jazz mas adoro Sarah Vaughan, Billie Holiday, Ella Fitzgerald e todas as grandes divas. O meu verdadeiro amor é gospel.
Os seus temas são usualmente dedicados ao coração. Isso reflecte a Mariah Carey na vida real?
Às vezes! Pode-se tratar de algo que eu vivi ou situações hipotéticas. Eu usualmente componho primeiro a música, e o que ela me fizer sentir é sobre o que eu escreverei.
É uma pessoa romãntica?
Sim (risos). Acho que sim.
O que é que mais gosta: cantar, compor, ou produzir?
Eu adoro fazer tudo que esteja relacionado com música. Eu gosto imenso de fazer coros. Eu faço a maioria dos coros para os meus temas.
se tivesse que fazer uma escola não o conseguiria?
Se tivesse que fazer uma escolha, cantaria.
Já pensou no futuro e na sua carreira?
Estou tão absorvida no que estou a fazer agora!
Já teve algumas ofertas para iniciar uma carreira como actriz? Tem algum interesse nisso?
Como estou tão envolvida na composição, produção, essas são as únicas coisas em que me quero concentrar. Não posso tomar rumo em mil e uma direcções porque isso viria a prejudicar a minha carreira. Eu não trabalho como alguns artistas que têm um produtor, gravam os temas e deixam o estúdio. Eu permaneço no estúdios. Eu vivo no estúdio, quando estou a fazer um álbum.
Religião faz parte da sua vida?
Eu penso que sou uma pessoa muito religiosa à minha maneira. Eu acredito fortemente em Deus… Graças a Ele estou hoje aqui, e rezo todos os dias par fazer aquilo que estou a fazer. Isso facilita-me ser a pessoa que sou…
E política?
Eu acho que já existem uma quantidade suficiente de pessoas preocupadas com política (risos). Eu não tenho que impor ou revelar as minhas opiniões às pessoas.
Vai fazer uma digressão na Europa para este álbum?
Provavelmente, no próximo ano.
Seguiram-se as despedidas, e Mariah, ainda de pastilha elástica na boca, rapidamente dirige-se para o único telefone na sala. Eu abandono a sala, alguém me pergunta se ela ainda estava lá dentro, e o representante da Sony despede-se. Na rua, tudo na mesma: calor, uma bicha à porta do hard Rock Cafe, e, provavelmente, algures na cidade, outra Mariah Carey conseguia o seu primeiro contrato discográfico.